quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A arriscada aposta da Globo com "Caminho das Índias"

Me digam: vocês acham realmente uma boa idéia abordar o hinduísmo numa novela das 8 da Globo? Tá, todo mundo sabe o quão essencial é uma "mudança de horizontes" numa novela, todo mundo tá cansado da Bossa Nova, da Barra e da Helena do Manuel Carlos, ou da São Paulo de Silvio de Abreu. Porém, é inegável que as histórias são sempre muito bem construídas, os atores bem dirigidos e as tramas envolventes, mesmo que sejam o mais do mesmo. Mas... Índia? Hinduísmo?
Vocês acham mesmo que o cidadão médio brasileiro entende essa história de castas e brâmanes? De Kama Sutra, Krishna, Brahma? Pro brasileiro comum, Kama Sutra é candelabro italiano, e não leis hinduístas que ensinam sobre relacionamentos e formas de prazer de modo a ter uma vida mais completa. Krishna é gente de cabelo raspado e roupas laranjas que vendem incenso na Paulista, e não uma representação de um dos deuses do Hinduísmo. E Brahma... Brahma é cerveja, pô, e não o principal deus na Trindade hinduísta.
E, pior: o cidadão médio brasileiro (a sua manicure, o porteiro do prédio, a recepcionista do seu trabalho, os idosos da fila do INSS, seu avô imigrante que não terminou os estudos e trabalhou desde a infância, a caixa do supermercado...) entendem essa história de vários deuses? Se "Caminho das Índias" fosse sobre a Arábia Saudita, por exemplo, o roteiro teria que lidar com o Islamismo que, por mais distante dos costumes cristãos, no fim das contas é bem parecido: tem a mesma raiz e, o mais importante, é monoteísta.
Francamente: uma boa parte das pessoas ditas cultas - aquela ridícula fatia de 2% da população que concluiu o ensino superior - não sabe nada sobre qualquer religião que não a sua (muito provavelmente uma religião cristã). Acho que renderia uma boa pesquisa sair nas faculdades do Brasil afora fazendo perguntas sobre budismo, islamismo, hinduísmo.
E aí Glória Perez toda ousada me vem falar de romances proibidos entre castas, de sacerdotes hinduístas, filosofia, tradições e costumes indianos? (Nem vou entrar no mérito da superficialidade com que a novela trata esses temas).
Olha, está longe de ser uma surpresa para mim o baixíssimo ibope dessa "Caminho das Índias". Sábado passado, dia 31, alcançou míseros 24 pontos de audiência (só como referência: "A Favorita" tinha uma média de 50 pontos)!
Gente, novela das 8 da Globo é o principal produto da cultura média brasileira (note: não estou afirmando que isso é positivo). As novelas das 8 há um bom tempo se consolidaram como um grande laboratório da cultura nacional. Nelas são lançadas as gírias e bordões que logo estarão na boca do povo. Os novos celulares que venderão como água no mercado fazem seu merchandising primeiro por lá; os cortes de cabelo das personagens ganharão as ruas; novos costumes e polêmicas são apresentados a cada novela, ditando o ritmo da vida e das conversas na sociedade.
Como disse acima, é inegável a influência da novela das 8 na sociedade brasileira. E é lógico que a alta cúpula da emissora sabe disso. Então estranho muuuito que um tema complexo como os costumes e a religião indianos sejam o foco dessa novela. Como isso foi aprovado pela alta cúpula global?
Glória Perez é cheia dessas. Lembremos as novelas recentes dela: "América" era sobre imigrantes ilegais nos EUA. Ok, qualquer brasileiro que acompanhe o Jornal Nacional (mais da metade da população) conhece o problema, mesmo que pouco entenda de geografia e menos ainda sobre política mundial. Aí teve "O Clone", em que uma parte da novela foi ambientada no Marrocos. Note: uma parte da novela, não ela inteira. E quais costumes árabes foram abordados? Dança do ventre, casamento arranjado. Not a big deal, né?
Essa "Caminho das Índias" é de longe a novela mais ousada que a Globo já produziu, já que o sucesso era um completo mistério (não pra mim, cá entre nós).
Enfim. Já faz tempo que eu queria botar pra fora isso.
Sou uma noveleira de carteirinha. Foram várias as novelas marcantes na televisão brasileira ao longo dos anos - inclusive da Glória Perez. Saberia citar os protagonistas de cada uma e seus personagens. Uma novela não precisa de muito para agradar o cidadão comum, é só fazer o mais do mesmo. Arriscar um pano de fundo totalmente novo até vai: Marrocos deu certo, lá no "Clone". Mas tocar nessa história de religião?
Não sou dona da verdade, mas eu aposto alto que logo alguma coisa vai acontecer nessa novela pra distanciar a discussão da questão religiosa. Ou então "Caminho das Índias" está fadada ao fracasso.

4 comentários:

Anamyself disse...

Na Folha Online hoje:

Público não entende palavras de "Caminho das Índias", informa Outro Canal
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u499808.shtml

Tô falando!

Umah disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Umah disse...

kkk amei... não estou assistindo, mas muito q sou 2% da pop e conheço pouquíssimo de filosofias e religiões orientais, na real tenho procurado mais agora, com o curso de filo e talz... c pá até seria interessante algo mais aprofundado sobre o tema pra uma mini série e talz... d qqer forma ainda não vi essa novela, qqer dia vejo pra tirar a teima XP
ótimo texto xuxu... lovei!

B. disse...

Não tenho propriedade pra comentar sobre o tema, visto que desde que faço faculdade, estou fora do mercado noveleiro.

Mas de ver os comerciais, tenho a impressão que Caminho das Índias é uma nova versã de "O Clone", apenas com uma religião diferente e uma Jade peituda, hahaha.

 
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